Entrevistas

Ciro Marino, presidente-executivo da Abiquim, comenta sobre os desafios da indústria química brasileira.

Ciro Marino, presidente-executivo da Abiquim, comenta sobre os desafios da indústria química brasileira. Em entrevista exclusiva ao GlobalKem, esclarece os resultados obtidos e problemas enfrentados no ano de 2021, além de perspectivas para 2022.

  • Pelos dados de grande relevância da ABIQUIM, quais foram os setores que mais se destacaram no consumo de químicos industriais em 2021? Houve alguma mudança que chamou a atenção em relação ao ano passado?

Praticamente todos os setores que demandam produtos químicos apresentaram crescimento da demanda em 2021, sobretudo aqueles com maior ligação com a prevenção, combate e tratamento da COVID-19. Apesar de todas as incertezas decorrentes do impacto da pandemia, o consumo aparente nacional (CAN), produção mais importação menos exportação, cresceu 8,7% durante todo o ano passado, acumulando elevação expressiva de 20,5% entre 2020 e 2021. A essencialidade dos produtos químicos no dia a dia da população, bem como a diversificação de uso pelos diferentes setores da economia, passando pela agricultura, construção civil, automobilística, alimentícia e até saúde, possibilitou uma rápida retomada das atividades, bem como expansão do mercado. Ao final do ano passado, foi feita uma pesquisa qualitativa com as associadas da Abiquim e que apontaram os segmentos com maior crescimento da demanda:

  • Desde ano passado, o mundo tem enfrentado problemas logísticos cada vez maiores no transporte de químicos. Além disso, quais foram outras dificuldades enfrentadas pelas indústrias brasileiras ao longo desse ano? Quais são as perspectivas para o ano que vem?

Além da logística, que não só encareceu como também ficou escassa em termos de containers e navios, as empresas químicas enfrentaram os impactos e reflexos da crise hídrica, que culminou com elevação expressiva dos custos de energia e de gás natural e risco de racionamento, elevação dos preços internacionais das commodities, que pressionaram os custos de produção, a própria questão da pandemia e todos os efeitos no que diz respeito à mão de obra e operação das plantas, a elevação da taxa de juros e da inflação. Para 2022, é esperado que persistam os efeitos negativos da pandemia, bem como a alta dos preços das commodities (liderada pelo petróleo) e os desafios na logística.

Soma-se a essa conjuntura, um agravamento do quadro de insegurança jurídica para as indústrias instaladas no Brasil em virtude de políticas econômicas e comerciais erráticas. A redução linear das tarifas de importação em 10% realizada em novembro de 2021 de forma unilateral pelo governo, antecipando-se à decisão do Mercosul e sem diálogo com o setor produtivo brasileiro ou avaliação de impacto, é um exemplo disso.

No mesmo sentido, temos acompanhado a construção de uma jurisprudência administrativa em matéria de defesa comercial que enfraquece o sistema e sua capacidade de proteger a indústria brasileira contra práticas ilegais no comércio internacional. Por esses motivos, o setor defende a aprovação do PL 537/2021 e do PDL 575/2020 – ambos com o objetivo de trazer maior clareza e aprimorar a política comercial brasileira, alinhada às melhores práticas internacionais, de modo a promover investimentos e geração de empregos no Brasil.

Na mesma linha, no dia 31 de dezembro de 2021, o Governo Federal editou a Medida Provisória 1.095, de 2021, novamente buscando a extinção abrupta do Regime Especial da Indústria Química – REIQ, revertendo o resultado de ampla negociação entre o Governo, o Poder Legislativo setor produtivo e trabalhadores de apenas 5 meses antes. Trata-se de um sério retrocesso à Lei nº 14.183, resultante da MP 1.034/21 e sancionada sem vetos em 14 de julho de 2021, que estabeleceu a redução gradual do Regime pelo período de quatro anos, encerrando-se em janeiro de 2025. 

  • Na visão da ABIQUIM, quais serão os impactos das privatizações das refinarias sobre os químicos derivados de petróleo no mercado nacional?

A privatização das refinarias tem que ser encarada como oportunidade de estreitamento do diálogo com os novos acionistas em busca das sinergias que existem entre o refino e uma planta petroquímica, maior diversificação de ofertantes de matérias-primas básicas, que precisa resultar em maior competitividade, e, principalmente, a oportunidade de mostrar para os novos players que a química pode ajudar a viabilizar o negócio do refino no longo prazo, tornando-se, no lugar dos combustíveis, o mais importante cliente.

  • Em relação ao aumento de químicos importados, qual foi o setor que mais importou e qual será a tendência para os próximos anos? Como isso poderá impactar nos preços dos produtos nacionais?

O Brasil importou US$ 60,7 bilhões em produtos químicos em 2021, valor total pago pela aquisição das mais de 60,5 milhões de toneladas, marcas inéditas nas importações feitas pelo País ao longo de toda a série histórica de acompanhamento da balança comercial setorial pela ABIQUIM (desde 1989).  

Na comparação com os resultados de 2020, foi registrada uma expressiva elevação, de 46,7%, no valor monetário das importações, acompanhada de importante elevação de 17,4% nas quantidades físicas adquiridas, pressionando a indústria nacional e deslocando os produtos brasileiros no próprio mercado doméstico.

Quando comparadas com as 37,5 milhões de toneladas de 2013, ano em que havia sido registrado, até então, o maior déficit no histórico da balança comercial de produtos químicos, de US$ 32,0 bilhões, observa-se um aumento de 61,3%, sobretudo em produtos químicos orgânicos e para o agronegócio, e um vertiginoso crescimento de 105,5% das importações originárias da Ásia (excluído o Oriente Médio), ao passo que o crescimento médio das importações de todas as demais origens foi de 31,6%, consolidando tal região geográfica como principal fornecedora de produtos químicos para o Brasil (importações de US$ 17,6 bilhões) e com a qual se registra o maior desequilíbrio comercial setorial (déficit de US$ 16 bilhões).

Como tendência, é importante destacar que a indústria química nacional não é formadora de preços em química, mas sim tomadora. Portanto, o comportamento do mercado internacional estará refletido no mercado local e os preços praticados acompanharão a curva internacional. A grande questão que se coloca como dúvida para o futuro será em relação aos custos de produção. O país só poderá se destacar e crescer se conseguir diminuir seus custos internos de produção, em relação aos demais países, e ser mais competitivo.

A inversão deste aumento vertiginoso no déficit no setor químico depende de uma agenda robusta e integrada de competitividade que:

– no curto prazo resolva as questões tributárias/fiscais, com a rejeição da medida provisória editada no último dia de 2021, extinguindo, de imediato, o Regime Especial da Indústria Química (REIQ), e garanta segurança jurídica à indústria nacional nas questões de defesa comercial;

– no médio prazo viabilize condições mais favoráveis em termos de matérias-primas e insumos para o setor, em especial com o novo mercado do gás, e de infraestrutura e custos logísticos internos e internacionais;

– e que consolide as macro reformas da economia brasileira, melhorando estruturalmente o ambiente de negócios.

Sobre o REIQ, Ciro comenta:

O Regime Especial da Indústria Química (REIQ) foi instituído como ferramenta para dar competitividade à indústria química nacional. O que o regime especial faz, nada mais é, do que reduzir a gigantesca disparidade de custos entre a indústria local e a internacional. Para isso, ele promove uma redução na alíquota de PIS/Cofins. Esta redução era de 3,65% até a promulgação da Lei 14.183. Foi diminuída para 2,92% com o escalonamento de redução já previsto até 2025. A indústria brasileira tem atualmente uma carga tributária de 46% e compete, nessas condições, internacionalmente com indústrias tributadas em média em 25%.

É importante lembrar que, nos países em que a indústria química é forte, existe um planejamento de estado com programas similares ao REIQ. Trata-se de um setor intensivo em investimentos e que requer segurança jurídica e uma clareza quanto ao longo prazo para operar com eficiência.

A medida provisória 1095/21 afronta decisão tomada pelo Congresso Nacional, que, em julho de 2021, votou pela extinção gradual do REIQ até 2025, e cria um ambiente de insuportável insegurança jurídica.

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