Crise energética na China pode afetar o mundo; entenda
A causa principal da crise tem sido o crescimento da demanda por energia, decorrente da rápida recuperação da economia chinesa e ampliação das exportações, que não está sendo acompanhado pelo aumento da oferta.
A China enfrenta uma crise energética que provocou cortes no fornecimento de energia elétrica em diversas partes do país, principalmente para empresas, que são os maiores consumidores. Vinte províncias chinesas, responsáveis por 60% do PIB da China, anunciaram cortes no fornecimento, sobretudo para atividades intensivas no consumo de energia, como a produção de aço, cimento, alumínio e produtos químicos. Outras atividades industriais, como o esmagamento de soja, também foram afetadas, mas em menor escala. Os produtores de aço foram orientados a reduzir a produção em 30% no inverno. A previsão de queda no consumo de energia na indústria durante o inverno é de 12%.
A causa principal da crise tem sido o crescimento da demanda por energia, decorrente da rápida recuperação da economia chinesa e ampliação das exportações, que não está sendo acompanhado pelo aumento da oferta. Só em setembro, as exportações da China aumentaram 28,1% em relação ao ano anterior. De janeiro a agosto a demanda chinesa por energia elétrica cresceu 13,5% e nas provinciais mais industrializadas, como Guangdong, o aumento foi de 17,33%. Já o crescimento na oferta de energia elétrica foi de apenas 11%.
O não crescimento da oferta no mesmo ritmo da demanda se deve a diferentes fatores. Os três principais são: 1) Aumento do preço do carvão e do gás natural; 2) Cortes na produção de energia gerada a carvão, por razões ambientais; 3) Inundações em províncias produtoras de carvão, como Shaanxi e Mongólia Interior. Apesar dos grandes investimentos da China na geração de energia limpa (hídrica, eólica, solar), o carvão ainda é responsável por 68,5% da geração de energia. No último ano, enquanto a produção de energia aumentou 11%, a produção de carvão aumentou apenas 4%.
Além da redução da oferta de carvão, um outro fator que pesou na redução da disponibilidade de energia foi o descasamento entre o seu preço de venda e o custo de produção. No processo de transição energética, para reduzir o uso do carvão, a China tem aumentado a geração de energia com base no gás natural, que é menos poluente. Ao mesmo tempo tem limitado o uso de carvão e a aprovação de projetos de elevada emissão de CO2, por meio de uma política denominada Dual-Control Target.
Mas a disparada dos preços internacionais do preço do petróleo e do gás natural aumentou o custo de produção de energia com base no gás natural. O preço do carvão também aumentou. O preço do carvão, em outubro, estava em US$ 254/tonelada, três vezes maior que há um ano. Enquanto os custos de produção dispararam, o preço de venda de energia elétrica é controlado pelo governo, que permitia variação em uma faixa bastante estreita, entre -15% e + 10% do preço de referência. Isso levou muitas empresas a reduzirem o nível de produção de energia, pois a cada quilowatt a mais de energia gerada, o prejuízo da empresa aumentava.
Para contornar essas dificuldades, o governo chinês tomou uma série de medidas. A primeira delas foi aumentar a importação de carvão. Em setembro, a importação de carvão aumentou em 76%, o equivalente a 32,88 milhões de toneladas. A segunda medida foi autorizar o aumento do preço da energia, elevando o seu limite superior de variação para 20%. Essas duas medidas tendem a aliviar, ao menos parcialmente, a escassez de energia, estimulando o aumento de oferta, mas dificilmente resolverão o problema de fundo que, aliás, aflige não apenas a China, mas todo o mundo desenvolvido, que é a dificuldade de realizar a transição para geração de energias limpas ao mesmo tempo em que a demanda por energia é cada vez maior na vida moderna.
Não só a China, mas o mundo enfrenta uma crise energética grave que elevou os preços da cesta dos combustíveis fosseis (petróleo, carvão e gás natural) em 95% no último ano. Muitos países, inclusive o Reino Unido, que acaba de sediar a COP 26, reativaram usinas termoelétricas movidas a carvão, o principal vilão do aquecimento global, e tomaram medidas para incentivar sua produção, para fazer frente à crise de energia que tende a se tornar mais severa na medida em que o inverno no hemisfério norte, com suas baixas temperaturas, se aproxima. A própria resolução final da COP 26 evitou referências explícitas ao carvão como constava em versões preliminares.
Essa infeliz coincidência ao menos serve para nos lembrar que entre palavras e atos sempre pode haver uma grande distância e que, ao fim e ao cabo, os problemas de curto prazo sempre acabam se impondo. Como lembra o sociólogo alemão Ulrich Beck em sua obra clássica “Sociedade de Risco”, “Em oposição à evidência tangível das riquezas, os riscos acabam implicando algo irreal”. Ou seja, frente a efeitos potenciais do aquecimento global provocado pelo aumento da emissão de CO2 e a necessidade imediata de produção de energia para a manutenção do atual modelo de produção baseado na economia do carbono, esta última acaba se impondo. Como lembra matéria da revista The Economist, “o pânico é um lembrete de que a vida moderna necessita de energia abundante pois sem ela as contas de energia se tornam impagáveis, as casas congelam e os negócios param”(3). Nos lembra ainda que a transição para energias limpas não é um processo tranquilo. Os combustíveis fósseis respondem por 83% da demanda primária por energia no mundo e para atingir a neutralidade de emissões em 2050 precisariam chegar a zero.
As promessas dos países ricos de zerar a emissão líquida de CO2 não estão sendo acompanhadas pelos investimentos necessários em fontes alternativas de energia. As dificuldades que o governo Biden está enfrentando dentro de seu próprio partido para aprovar seu plano sobre o clima falam por si só. Outro aspecto importante que a crise evidencia é que, para os países rico,s o caminho mais cômodo para conciliar a demanda pantagruélica por energia com a redução global de emissões de gases de efeito estufa é passando a conta para os países em desenvolvimento por meio do mercado de créditos carbono, o que equivale a comprar indulgência para poder continuar a pecar. Nesse sentido o Brasil é o grande vilão não só porque desmata muito, mas principalmente porque ajuda pouco os países ricos a compensar suas gigantescas emissões de CO2.