André Passos Cordeiro, Presidente-executivo da Abiquim, comenta sobre o futuro da indústria química no Brasil
Confira a entrevista exclusiva do GlobalKem com André Passos Cordeiro, Presidente-executivo da Abiquim.
Quais são as principais tendências de crescimento que a Abiquim enxerga para o setor químico brasileiro nos próximos três anos e quais desafios a indústria enfrenta para manter competitividade no cenário nacional?
Gás natural é um dos grandes destaques. É a química, inclusive, que transforma o gás em insumos que servem para viabilizar produtos de toda a natureza em todos os setores produtivos: do complexo industrial da saúde, passando pelo automotivo, agroindústria, cosméticos, limpeza e chegando a têxtil, embalagens, saneamento. Essencial ainda para viabilizar a transição energética e um modelo de produção industrial carbono neutro, sustentável e circular.
Foi com o gás natural, e com base na indústria química, por exemplo, que os Estados Unidos iniciaram seu processo de recuperação da produção industrial. Hoje, estão com a base produtiva construída nesse processo, avançando na transição para um novo paradigma produtivo.
A indústria química vem propondo um programa estruturado para o gás natural que seja capaz de ser o motor da reindustrialização no Brasil. E a produção de químicos, de fertilizantes nitrogenados – passando por etano (insumo para borrachas, detergentes, cosméticos, fibras têxteis, detergentes, plásticos) até metanol (usado na produção de biocombustíveis, fármacos, vitaminas) -, é a base de todo esse processo. Experiências na Europa, Estados Unidos, China mostram claramente os resultados de investir nesse projeto.
Neste contexto, o uso do gás como matéria-prima, agrega valor a um recurso de que o país dispõe em abundância, o pré-sal. Para se ter uma ideia do grau de incremento de competitividade potencial, segundo dados da Abiquim, cada 22 a 25 milhões de m³/dia de gás rico do pré-sal podem viabilizar investimentos da ordem de US$ 6 bilhões em um cracker de escala global com efeito multiplicador na economia, assim como a construção de três plantas de amônia e ureia, a retomada de duas unidades de fertilizantes que estão atualmente paradas – em Três Lagoas (MS) e Uberaba (MG), plantas de hidrogênio, entre outros projetos. Em comum, eles representam geração de empregos e aumento de salários, arrecadação de impostos, balança comercial, multiplicação nas cadeias conexas etc, lembrando que atualmente, quase 80% dos fertilizantes nitrogenados (derivados do metano) consumidos no País são importados, enquanto 100% das necessidades de metanol são supridas por importação.
A Abiquim está ainda trabalhando para avançar em duas outras frentes: na química de matérias primas renováveis (alcoolquímica, óleoquímica e outras matérias-primas derivadas da biomassa) e na química circular. É importante ressaltar que a química brasileira é pioneira na rota alcoolquímica, ou seja, na produção de químicos a partir do etanol, em sincronia com nossa bem desenvolvida indústria sucroenergética. Devido à alcoolquímica, somos o maior produtor mundial de polímeros verdes, mas não nos limitamos a isso: solventes, fertilizantes e uma série de outros produtos são atualmente produzidos a partir do álcool, de modo limpo e sustentável.
Temos também muitos investimentos na rota oleoquímica, que, como o nome diz, usa óleos vegetais naturais para desenvolvimento de químicos. Dentre nossas pautas, defendemos a transição de uma economia linear para uma que redesenha, recicla, reutiliza e remanufatura, eliminando o descarte inadequado de resíduos, protegendo o meio ambiente.
Vale destacar também que energias limpas, com baixa pegada de CO2 e de baixo custo, como solar, eólica e o biogás – neste campo, o Brasil é competitivo – viabilizam a produção de hidrogênio verde, que, por sua vez, alavanca cadeias sustentáveis de químicos, bem como a produção eletrointensiva de outros químicos. Principais oportunidades: metanol, amônia e hidrogênio verde.
Com relação à competitividade, importante mencionar que hoje, o Brasil tem a 6ª maior indústria química do mundo – gera mais de 2 milhões de empregos e representa 12% de todo o PIB industrial. No entanto, esta indústria vem sendo fortemente atacada por um surto de importações predatórias, levando o setor químico a atingir o maior nível de ociosidade da sua capacidade produtiva – média de 42% no primeiro semestre de 2024. E não é somente a indústria química que sai perdendo; em 2023, o governo deixou de arrecadar R$ 8 bilhões de tributos federais advindos da indústria química.
Ainda dentro desse contexto, a indústria química brasileira vem sendo muito impactada pela falta de competitividade de suas principais matérias-primas. No que se refere ao gás natural, enquanto a indústria nacional paga um valor de cerca de US$ 14,6/MMBTU, sem impostos, o mesmo gás é vendido por cerca de US$ 2,82/MMBTU nos Estados Unidos, quase cinco vezes menos, e por US$ 10/MMBTU na Europa, cinquenta por cento mais barato. Somado à questão do custo da energia, Custo Brasil e dos custos tributários, de logística e de infraestrutura, coloca-se um peso muito grande para a indústria química conseguir competir no mundo.
Como as empresas químicas brasileiras estão adaptando suas operações para atender às metas de sustentabilidade e ESG (ambiental, social e governança)? Quais são os maiores obstáculos?
Antes de mais nada, vale destacar que a química é um meio de potencialização e valorização da biodiversidade brasileira, que corresponde a 20% da biodiversidade mundial. Aqui não se trata de se adaptar, mas sim de preservar essa biodiversidade a partir do uso responsável, devidamente controlado pelas instâncias públicas competentes.
Alinhado a esse conceito, a Abiquim lançou em 1992 no Brasil o Programa Atuação Responsável® que tem como objetivo comprometer a indústria química, no desenvolvimento e implantação de práticas seguras para o meio ambiente e para as pessoas. Essas ações passam pela concepção de instalações adequadas, efetivos controles operacionais, desenvolvimento de produtos mais seguros, gestão de stakeholders, capacitação, ações junto a cadeia de valor e transparência frente a sociedade.
Esta iniciativa, destinada a apoiar a indústria química a ela associada na gestão de suas atividades em saúde, segurança e meio ambiente, é também o pilar do Environmental, Social, and Corporate Governance (ESG). A adesão ao programa AR ®, sobretudo, é condição de filiação à Abiquim para as associadas efetivas e colaboradoras. Seu lançamento marcou o início de uma postura de pró-atividade, transparência e diálogo com as partes interessadas na indústria, com uma proposta de continuidade e responsabilidade, independentemente da existência de legislação.
A Abiquim monitora e publica anualmente, um conjunto de Indicadores de Desempenho, visando divulgar a performance e as melhorias conquistadas pela indústria química nacional. Esses dados, após a consolidação, são por sua vez informados ao ICCA – International Council of Chemical Associations, que consolida as informações dos mais de 70 países que adotaram o programa, publicando então o “Responsible Care Status Report” com o desempenho da indústria química mundial.
Sua continuidade representa o “compromisso com a sustentabilidade” do setor químico brasileiro. Hoje, passados 32 anos, devido à robustez do Programa AR, a Abiquim ampliou o seu processo de adesão para as empresas interessadas e que não são associadas à Abiquim, sobretudo para empresas que não pertencem ao setor químico.
Em outras palavras, estamos falando de um setor que contribui significativamente para a sustentabilidade e melhoria dos padrões de vida da população e que é fundamental para posicionar qualquer país em rankings estratégicos econômicos mundiais. Não existe país desenvolvido sem indústria química forte.
Na prática, a indústria química brasileira é a mais sustentável do mundo e líder em produtos renováveis – sua produção é menos carbono intensiva quando comparada com a produção na Europa (entre 5 e 35% menos) e o resto de mundo (entre 15 e 51% menos). Em relação aos processos industriais, a química representa apenas 7% do total de emissões. Tudo isso se deve ao fato de a matriz energética brasileira ser composta por 82,9% de fontes renováveis – no mundo, essa média é de 28,6% – e aos esforços históricos empreendidos pelo setor no Brasil.
Esforços de descarbonização, por exemplo, sempre foram acompanhados por atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação. A indústria química também é provedora de soluções e insumos para basicamente todos os setores da economia, uma inovação em prol do desenvolvimento sustentável gerada na química reverbera em toda a economia, impulsionando a sustentabilidade.
Os obstáculos, por sua vez, envolvem os já mencionados na resposta acima. Os produtos importados que chegam, especialmente da Ásia, são manufaturados com base em legislações ambientais que não atendem aos parâmetros brasileiros, utilizando carvão e derivados fósseis mais poluente do que aqueles utilizados no Brasil, comprometendo anos de trabalhos desenvolvidos por aqui. O que assistimos, inclusive, ao permitir essas importações de produtos sem compromissos ambientais é o descumprimento de uma agenda global, com contribuições negativas para o efeito estufa.
Segundo dados da Abiquim, de 2000 a 2016 houve uma redução de quase metade nas emissões. Mas entre 2017 e 2021, já sob o impacto das importações elevadas, foi registrado um aumento nos índices devido às empresas estarem operando a baixa carga, com mais paradas para manutenção e com menores índices de eficiência.
A Abiquim teve um papel importante no aumento das alíquotas de importação de diversos produtos químicos aprovados pelo Gecex. Como a Associação acredita que essa medida aumentará a competitividade da indústria química nacional, tanto no curto quanto no longo prazo?
A indústria química opera em um nível de produção totalmente inadequado aos padrões do setor e as importações não param de crescer. Competir com países que possuem uma estrutura de custos de produção, incluindo matérias-primas, energia e até carga tributária menores, tem sido um problema recorrente no setor. Esse fato foi agravado pelo ganho momentâneo de competitividade chinesa, advinda de compras de gás e derivados de petróleo a baixíssimo custo oriundas da Rússia, por conta de questões de guerra. O que pedimos foi uma correção dessa incoerência.
Estávamos perdendo musculatura com o fechamento de fábricas e perda de postos de trabalho. A decisão da Camex foi essencial para nós, como indústria e como brasileiros pois como já foi dito anteriormente, ”uma indústria forte pressupõe um país forte.”
Sendo assim, a Abiquim enxergou com otimismo a decisão da Camex que adicionou 30 itens à lista de elevações transitórias da Tarifa Externa Comum (TEC). Outros 32 produtos importantes seguem em avaliação pelo órgão. Com a decisão, a maioria das alíquotas passará de 10,8% ou 12,6% para 20% e vão permanecer nesse patamar por 12 meses. Ou seja, a medida atendeu ao pleito feito pela indústria por maior competitividade.
Nesse sentido, o mais importante não foi a quantidade de produtos contemplados, mas o que isso representa em valores. Esses 30 produtos que foram aprovados representam cerca de 65% do volume de importações desse conjunto de 62 NCMs – Nomenclatura Comum do Mercosul é um sistema de classificação numérica que inclui os produtos químicos orgânicos e inorgânicos – que tínhamos proposto ao governo. Assim como representam 75% do valor desse mesmo conjunto de importações. A decisão foi bem-vinda, está bem fundamentada tecnicamente, e trouxe um alívio para a indústria química.
Com a publicação da medida, a Abiquim acredita que o Brasil começa a equalizar o quadro conjuntural e a retomada do desenvolvimento econômico sustentável de toda a cadeia de produção. Esse aumento temporário das tarifas é um remédio contra o surto de importações predatórias, preservando empregos e garantindo a autonomia e capacidade produtiva do setor, que repercute positivamente em toda a indústria. Estudos elaborados a pedido da Abiquim apontam, inclusive, que a defesa das nossas fronteiras comerciais não provocará impacto na inflação e nem comprometerá o plano de estabilidade fiscal do país.
Adicionalmente, a medida dá fôlego para a construção e implementação de medidas estruturantes como, por exemplo, as que podem levar a redução do custo de matérias primas (gás natural, etanol, nafta, renováveis) e energia no Brasil, bem como as que viabilizam a reestruturação competitiva do setor no novo cenário de economia de baixo carbono.
Investir em nossas capacidades produtivas é garantir a segurança econômica e o progresso sustentável. Temos um horizonte bastante próspero; essa conquista somada às medidas estruturantes futuras são o fio condutor para seguirmos firmes no propósito da defesa e fortalecimento da indústria química brasileira.
Muito se fala sobre o volume de produtos importados pelo Brasil nos últimos meses, mas como ficam as exportações? Quais mercados internacionais têm maior potencial de crescimento para a exportação de produtos químicos brasileiros? Há iniciativas para promover a exportação de produtos de maior valor agregado?
Infelizmente, se não estamos conseguindo competir no mercado local, o que dirá no mercado internacional. Tradicionalmente, o nosso volume exportado corresponde a um percentual entre 12 e 15% de todo o volume produzido. No entanto, nos últimos 12 meses encerrados em agosto de 2024, o volume exportado recuou 23,9%, sendo que vem caindo nos últimos três anos. Para modificar esse cenário, o ideal seria avançarmos na produção da química de origem renovável, aproveitando o know-how que o Brasil já possui em alcoolquímica, por exemplo. O destino desses produtos pode ser o mercado europeu e americano. O potencial é enorme, mas será preciso estimular as atividades nessa área, transformando enormes vantagens comparativas em vantagens competitivas.
Sabemos que o setor químico é altamente dependente de energia. Qual o impacto das políticas de preços de energia no Brasil para a competitividade das empresas químicas nacionais? Como esse obstáculo vem sendo superado?
O impacto é enorme. A energia elétrica corresponde a cerca de 20% do total dos custos do setor. Mas, como dizem alguns colegas, a energia em si não é cara no Brasil, mas a tarifa é proibitiva, incorporando custos e encargos que não deveriam ser transferidos à indústria. Essa política precisa ser modificada. No que diz respeito ao gás, a paridade de precificação com o GNL está matando a demanda industrial. O programa Gás para Empregar endereçou as principais questões relacionadas à ampliação da oferta e redução de preços, mas a efetivação das medidas ainda levará um tempo para produzir os efeitos necessários sobre a indústria. O ideal seria que o governo adotasse um mecanismo de transição, para que a indústria sobreviva a esse cenário de turbulência que se observa no mercado internacional.
Recentemente, foi divulgado que a capacidade instalada da indústria química nacional está operando abaixo de níveis ideais. Quais são as principais razões que a Abiquim enxerga para essa ociosidade nas fábricas, e quais ações as empresas do setor estão promovendo para aumentar a utilização da capacidade instalada e recuperar a competitividade?
Além das razões já citadas na resposta 1, vale reiterar que continuar permitindo a entrada desenfreada de produtos químicos é um paradoxo para a política que o Brasil tem programada para o futuro, no contexto da neoindustrialização. Quando falamos de importados, o país atingiu a marca de 50% do que consome na indústria química.
Por conta disso, há registros de empresas paralisadas, com antecipação de manutenções preventivas, enquanto outras estão hibernando plantas. E isso afeta não somente a produção de insumos químicos, mas toda uma ampla cadeia supridora de matérias primas, serviços e fornecimento de energia relacionada ao setor.
Além do pleito referente ao aumento das alíquotas de importação de produtos estratégicos para equilibrar a competitividade da indústria química brasileira em um cenário de guerra comercial internacional entre as duas principais potências mundiais, a Abiquim impulsionou outras agendas emergenciais, como a regulamentação do REIQ em 2023, na mesma direção.
Está ainda impulsionando outras para construir condições estruturais e sistêmicas de competitividade para a indústria química: reduzir o custo das matérias primas tradicionais, em especial o gás natural, através do Programa Gás para Empregar e outras iniciativas; viabilizar suprimento a preço economicamente competitivo de matérias primas renováveis; reduzir o custo da energia; e estruturar um novo programa de estímulo à produção e investimentos na cadeia química brasileira.
Como a Abiquim avalia o impacto de mudanças econômicas, como variações cambiais, inflação e mudanças nas taxas de juros, no setor de produtos químicos? Existem medidas a serem tomadas para mitigar esses efeitos?
Obviamente, mudanças econômicas podem afetar diretamente a produção do setor químico, com impactos no nível da demanda, nos custos das matérias-primas básicas (principalmente se estas forem importadas), na capacidade do setor em realizar investimentos em ampliação das plantas e em atividades de P&D. Para mitigar esses efeitos, a indústria procura diversificar mercados, trabalhar nos melhores níveis de eficiência, com o objetivo de passar pelas fases de maior volatilidade. Mas nem sempre é possível e prova disso são os pífios resultados de 2023 e do primeiro semestre deste ano.
Há algum tópico ou questão que não abordamos e que você acha importante destacar. Ou, se preferir, você teria alguma previsão ou insight sobre o futuro da área/indústria que gostaria de compartilhar?
A Abiquim tem como meta dar continuidade ao trabalho que tem desenvolvido relacionado às quatro missões da indústria química – Gás Natural, Bioprodutos, Energias Renováveis e Saneamento – e que ainda permanecem ditando o caminho do setor, além do comprometimento pela harmonia e segurança da operação industrial com a natureza.
Outra meta é apoiar no que for preciso o Programa de Estímulo à Química Sustentável –, hoje em construção conjunta com o MDIC. Essa iniciativa prevê créditos financeiros a integrantes da cadeia e pode provocar a retomada contra a ociosidade de plantas.
Com o Programa, a estimativa é que a capacidade produtiva atinja 85% até 2028, aumentando o faturamento anual dos atuais R$ 298,4 bilhões para R$ 376,6 bilhões. Mais de 1 milhão de novos empregos podem ser gerados na indústria química, com incremento de R$ 76 bilhões no PIB total do país.
Ainda que impactada por esse momento delicado, a indústria química brasileira segue forte, empregando seus esforços para construir novas rotas pautadas na química do presente, sustentável, tecnológica e humana voltada para transformar o futuro. Nesse sentido, a entidade se concentra nas contribuições para uma “Química Verde’, na evolução da química alinhada aos benefícios da inteligência artificial e, sobretudo no importante papel de evoluir na igualdade de gênero e raça na indústria.
André Passos Cordeiro, Presidente-executivo da Abiquim.
GlobalKem | 21 de outubro de 2024