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Abiquim vê 2021 como um ano de incerteza

Jefferson Klein:
Apesar de ter verificado uma recuperação no seu desempenho durante o segundo semestre de 2020, a o setor químico nacional admite que 2021 é um ano cercado de incertezas. O presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), Ciro Marino, aponta que uma das maiores preocupações é com o endividamento público do País, que foi impactado devido aos reflexos da pandemia do coronavírus na economia. No entanto, se o governo conseguir resolver esse problema, o dirigente projeta que o segmento químico deve crescer, ficando o incremento na produção na casa de 2% a 3%.


Empresas & Negócios – O que a indústria química pode esperar para 2021?
Ciro Marino – Temos uma grande apreensão em relação a 2021. Apesar do sucesso que a gente viveu como indústria, de resultados, de reequilíbrio de caixa, de produção, em 2020, o ano de 2021 traz um grau de incerteza muito grande. O endividamento público está altíssimo. Se o governo tiver sucesso em resolver essa questão, 2021 pode ser um ano bem razoável com um crescimento da economia como um todo de 3% a 4% e para indústria química, como nós já antecipamos parte desse crescimento, a gente acha que talvez uns 2% a 3% de incremento em produção, um pouco menos do que o PIB. Mas, se o governo não conseguir rolar a dívida adequadamente, os reflexos acontecerão na taxa de juros, que poderá voltar a subir, e pode ocorrer mais desvalorização cambial.


E&N – Como foi o desempenho do setor químico em 2020, um período impactado pela pandemia da Covid-19?
Marino – Nós tínhamos uma expectativa boa para 2020, de crescimento, mas por volta de fevereiro já começamos a ver o nível da pandemia se expandindo, em março as coisas se agravaram e aí começamos a sentir como indústria uma série de problemas. Primeiramente, algumas fábricas desaceleraram a produção, chegamos a ter plantas totalmente paradas por volta de maio. Naquele momento, a indústria química chegou a operar com algo ao redor de 50% da sua capacidade, entretanto ao fechar o ano estava perto de 90%.


E&N – Quando foi percebida a recuperação?
Marino – Quando chegamos em junho a gente já começou a sentir a retomada do mercado. Julho já foi bem razoável, agosto muito bom, setembro muito bom e persistiu assim nos meses seguintes.

E&N – E qual a estimativa de fechamento de 2020 para o setor químico no Brasil?
Marino – A indústria química, como um todo, deve ter um crescimento na ordem de 11% em volume, em relação a 2019. Grande parte desse incremento acabou sendo sustentado por importações. O faturamento em reais deve aumentar, mas em dólar cair (na moeda estrangeira o setor deve ter uma queda de 14% na comparação com 2019, encerrando 2020 com um faturamento de U$S 101,7 bilhões, contudo, devido a fatores cambiais, em reais deve alcançar uma elevação de 10,2%, o equivalente a R$ 508,7 bilhões).


E&N – Dentro da cadeia química, quais os segmentos que tiveram desempenhos mais positivos em 2020?
Marino – É preciso analisar quem a indústria química serve. Por exemplo, quanto aos complexos hospitalares, dentro do portfólio da Abiquim, há o segmento de gases hospitalares, como oxigênio. Isso cresceu, toda a parte de sanitizantes, de produtos que são utilizados para mitigar os efeitos da pandemia, cresceu.


E&N – E quais áreas que mais sofreram com a retração econômica causada pela pandemia?
Marino – A indústria automotiva sofreu e logicamente nesse segmento temos o uso de plásticos, de borracha. E sentimos impactos também no setor de turismo. Muitas vezes as pessoas não relacionam turismo com a indústria química, mas quando se pega todos os insumos usados na limpeza de hotéis e restaurantes, como detergentes e sabões, isso é uma demanda enorme de químicos que despencou.


E&N – Como está a questão do déficit do setor químico nacional em relação a importações e exportações?

Marino – A indústria química brasileira sempre apresentou déficit, ou seja, ela importa mais do que exporta na ordem de US$ 30 bilhões por ano. Quando se pega a questão da globalização que o mundo passou nos últimos 20 anos, 30 anos, posso assegurar que a indústria química (brasileira) foi a que mais perdeu com a globalização, porque os custos brasileiros são assimétricos em relação aos mercados dos demais países do mundo.


E&N – Onde estariam essas diferenças de custos?
Marino – Em insumos como gás e energia elétrica. Só para se ter uma ideia, a gente pagava o gás natural, em 2019, de quatro a cinco vezes a mais do que os nossos concorrentes nos Estados Unidos e duas vezes mais do que as empresas europeias. Quando se pega a energia elétrica, o norte-americano paga a metade do que nós. A indústria química tem sua produção fortemente lastreada pela energia, há companhias em que esse fator significa aproximadamente 60% de seus custos. A questão tributária também é bem complexa, assim como o peso do Estado sobre a indústria, isso acaba derrubando a nossa competitividade.


E&N – Qual a sua impressão sobre o polo químico do Rio Grande do Sul que está sendo constituído em Montenegro e Triunfo?
Marino – O polo químico do Sul está em uma posição estratégica. Uma das possibilidades de abastecimento de gás para o complexo é através da reserva de Vaca Muerta, na Argentina, um dos maiores depósitos de shale gas (gás de folhelho ou também chamado gás de xisto) do mundo. Além disso, há a alternativa do aproveitamento do gás de síntese oriundo do carvão presente no Estado. E a questão logística da estrutura também é interessante, pois tem acesso a porto e rodovias.


E&N – Em dezembro, uma resolução da Câmara de Comércio Exterior (Camex) reclassificou a alíquota de importação do PVC de 14% para 4%. Além disso, foi estabelecida uma quota trimestral de 160 mil toneladas de importação desse produto pelo prazo de três meses, prorrogável por igual período. Qual a posição da Abiquim sobre essa determinação?
Marino – Não há nenhuma falta de matéria-prima importante no momento, nem PVC, nem polipropilenos ou polietilenos. Até novembro ainda havia um déficit e os preços desses produtos subiram muito pela escassez e o impacto de câmbio. Como havia essa reclamação, de oferta e preços, o governo liberou por três meses a cota de 160 mil toneladas de PVC. Nós ficamos surpresos, pois a indústria química não foi consultada. Se tivéssemos sido convidados para explicar a questão, poderíamos ter construído uma solução de outra forma, privilegiando a indústria nacional.

Fonte
Jornal do Comércio
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